Escrever é ser: heteronímia e escritura no Livro do Desassossego

O poeta português, em sua produ？？o literária, experimentou algo até ent？o inexplorado: viver poeticamente em um mundo identitário multíplice, onde cada voz e cada texto correspondente caracterizam-se como únicos, apesar das proximidades que se possam verificar entre essas identidades criativas. No Livro do Desassossego, Fernando Pessoa, embora pela voz de um semi-heter？nimo (Bernardo Soares), explica poeticamente o processo da despersonaliza？？o, isto é, conferir sensa？？es, emo？？es e reflex？es a diferentes personalidades, com estilos próprios e genuínos. Pessoa é, assim, o lugar onde todos os eus que ele engendra sentem e registram suas próprias sensa？？es. Ele é um artífice, cuja identidade se adere, por extens？o ou contraposi？？o, ao artifício produzido. Este ensaio prop？e pensar que a voz soariana presente no Livro do Desassossego corresponde ao exercício identitário da escritura-processo pessoana que se caracteriza pelo desdobramento e pelo consequente estilha？amento que multiplica, marcado pela heteronímia. Essa mobilidade é justamente o que possibilita a dissemina？？o – que se concretiza, especialmente, na fragmenta？？o emergente da prosa poética, na pulveriza？？o da voz e no esfacelamento do sujeito enunciador